INOCÊNCIA
De repente, o tropel. Crescendo. Avolumando. Atrito
estridente de cascos repercutindo no chão ressequido, coalhado de seixos. E
logo, os gritos, o sibilar do açoite cortando a manhã. Então, o susto. O medo.
Tentou correr, peito em sobressalto, pernas frouxas,
teimosas. Tropeçou. Pôs-se em joelhos, ainda gritou: - Pai!
Veio o primeiro golpe. Outro. E mais. Dilacerando, riscando
vermelhos, rompendo tecidos. A força do braço e o peso do couro abrindo sulcos
na pele. Baixou a cabeça vergando o dorso, encolhida, cobrindo-se com as mãos
braços, escondendo o rosto. Zuniam correias bimbalhando guizos, ensurdecendo.
Vociferava o velho ensandecido. E zapt! Descia o vergalho. Subia. E voltava. E
voltava.
Caiu. Viu seus cabelos emaranharem-se nos gravetos da
ravina, lameados de pranto e poeira. Viu o vestido, roto, manchado de barro e
de sangue. Viu raiva, desgosto, humilhação, ressentimento e perda, no rosto
convulso do pai. Viu a si mesma. A própria impotência. E tudo viu, aterrada,
com olhos enormes, vidrados de dor.
Afinal, o silêncio. Já quase entardecia. Levantou-se,
amolecida, um resto de estupor no fundo das pupilas, um cansaço quebrantado ao
longo do corpo. Sacudiu a saia, ainda atordoada, e recolheu os cabelos junto ao
pescoço. Sentiu frio. A lembrança de Cirino doeu fundo. Compreendeu que, nunca,
nunca mais.
Tomou o caminho de casa. Sem pressa.
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